08 September 2009

Os riscos de fazer jornalismo ambiental no Brasil (Mato Grosso): Parte 3

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O Estado do Mato Grosso tem um clima extremamente quente, que se torna ainda mais pesado para os jornalistas quando denunciam os crimes ambientais.
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No Mato Grosso, “pistolagem fardada” e ameaças veladas O Estado do Mato Grosso tem um clima extremamente quente, que se torna ainda mais pesado para os jornalistas quando denunciam os crimes ambientais. “Principalmente nos locais onde há a ação de pistoleiros, mais ao norte do Estado, na divisa com o Pará”, relata o jornalista Jonas Campos, que já atuou no Rio Grande do Sul, no Pará, e agora é repórter da TV Globo no Mato Grosso. “A cobertura ambiental é um assunto que incomoda, com certeza, aqueles que querem avançar sobre os recursos naturais”, diz. Campos compara: no Rio Grande do Sul, quando houve uma mortandade de milhares de peixes no Rio dos Sinos, em 2006, as empresas suspeitas recorreram à Justiça para impedir a divulgação dos nomes dos envolvidos - e conseguiram. Também houve muita pressão sobre o órgão fiscalizador do Estado para que não passasse informações à imprensa. “Imagine o que ocorre no Mato Grosso, em que se misturam três ricos biomas: floresta, cerrado e pantanal. O Estado é apontado como um dos maiores produtores de alimentos do mundo, e quer aumentar mais”, observa. No Mato Grosso, o repórter vai buscar a notícia em lugares desmatados, onde o roubo da terra e a grilagem (posse de terra mediante falsa escritura de propriedade) através de capangas e guachebas (matadores de aluguel) é frequente. Em uma das viagens à cidade de Confresa, no nordeste do Estado, a 1180 km da capital, Cuiabá, por exemplo, vários trabalhadores rurais relataram a ação desses grupos. Campos conta que as grandes empresas se valem muitas vezes de pistoleiros para expulsar posseiros e registrar ilegalmente extensas áreas. “Quando ainda existe floresta, entra em ação a motosserra. Se as árvores já foram derrubadas, preparam a terra para o avanço da fronteira agrícola”, comenta. Um ano após sua passagem por Confresa, a Polícia Federal deflagrou uma operação e prendeu mais de 20 pessoas. Entre elas, policiais militares – que o Ministério Público Federal definiu como "pistolagem fardada” – acusados de dar apoio armado aos grileiros. “Definitivamente, eu estava num local perigoso, mas nada sofri porque fui rápido, fiz a reportagem com um carro descaracterizado e documentei as denúncias com provas policiais e da Justiça”, explica. “Contei com o apoio da igreja católica para andar por caminhos mais seguros na área rural”, acrescenta. Durante a viagem, o padre que acompanhava a equipe de televisão ia contando e apontando as fazendas onde ocorreram violações aos direitos humanos, principalmente trabalho escravo. “Era assustador!”, lembra o jornalista. Em 2008, Campos foi à cidade de Vila Rica, também no nordeste do Estado, a 1102 km de Cuiabá, fazer uma reportagem para o programa dominical Fantástico, da TV Globo. O objetivo era mostrar como uma fazenda de mais de 150 mil hectares estava sendo desmatada de forma criminosa. Dentro desta imensa área, outras fazendas foram criadas com documentos supostamente falsificados em cartório. A equipe capturou imagens aéreas mostrando topos de morros desmatados: havia árvores imensas, centenárias, caídas; nascentes de rios fechadas; córregos bloqueados. Era o resultado da abertura de estradas por onde saía madeira e entrava o gado. “Flagramos homens contratados pelos grileiros desmatando e jogando semente de capim para alimentar o gado”, recorda Campos. Quando o avião da equipe de televisão pousou no pequeno aeroporto da cidade, o rapaz que cuidava do posto de reabastecimento das aeronaves trouxe um celular - alguém queria falar com o jornalista. “Era um homem que se dizia advogado de um dos acusados. Falava de Palmas, no Tocantins, norte do Brasil. Ele fez várias perguntas, e eu disse que o entrevistaria em Palmas, o que acabou acontecendo”, narra Campos. Porém, a caminho do hotel onde estavam hospedados, foram abordados por dois homens armados que queriam saber a identidade de todos e ameaçavam levar os jornalistas para a delegacia. O argumento foi que os fazendeiros haviam visto o avião sobrevoando e pensaram que se tratasse de traficantes que estariam escolhendo um lugar para pousar ou lançar a droga. Campos desconfiou: “Quando pedi a suposta identidade de um deles para checar a veracidade, o clima ficou mais tenso, houve forte discussão. O suposto policial tomou o documento de minhas mãos e só não avançou mais porque percebeu que eu havia ligado uma microcâmera que carregava em meu bolso”. Os homens foram embora, e a equipe de TV também não demorou muito para sair dali. São tentativas como estas, veladas, que pelo risco inerente acabam intimidando os jornalistas. Outro problema, diz Campos, são os acordos políticos que permitem a continuidade dos crimes. Denúncias recebidas pelo jornalista indicam que é comum os parlamentares se reunirem na Assembléia Legislativa para criticar as reportagens e defender seus interesses, quase sempre amparados pelo discurso de que os jornalistas com suas matérias estão prejudicando as pessoas que vivem no local. É uma forma de confundir a opinião pública e desmoralizar o meio de comunicação.

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